sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Hoje.

Acho que foi assim...
O dia clareou e já era hora de abrir os olhos. Levantou-se e levemente se despiu. Sentiu sua pele eriçar, o vento entrava pelo vão da janela que se encontrara entreaberta pela noite de verão que fazia ontem. Caminhou sobre as vestes caídas no chão e abriu toda a janela. Desbruçou sobre a sacada, avistou o lindo jardim e a imensidão do campo à sua frente. Nua. Contemplou toda nudez do momento em meio ao ambiente simples em que se encontrava. Não queria sair dali, era como se ainda estivesse sonhando, se sentia leve, sentia o arrepio vir de dentro para fora, e de fora pulsionava suas sensações como se pudesse acelerar seu coração. A luz do sol às 6 e meia da manhã já era forte e podia sentir-se aquecer. Então voltou ao quarto e caminhou até banheiro, o chuveiro estava morno e não fazia barulho, apenas ouvia o barulho da água, e como se estivesse em um lugar aberto girou de braços abertos, rodopiou e dançou ao som de sua imaginação. Vestiu-se num lindo vestido cor de maçã-verde, feito de seda e com pequenas pedras de brilhante na barra, era longo a ponto de varrer o chão, era leve a ponto de fazer sua imaginação continuar se sentindo flutuar em meio à magia daquele dia. Fechou a porta e desceu descalça as escadas de madeira e largos degraus que davam de encontro à porta da sala, tinha um sofá, uma poltrona azul marinho de camurça e uma estante que cobria uma parede inteira, em todas as suas fotos apareciam poses diversas no mesmo vestido. Caminhou em direção à cozinha, sentou-se, e levou suas mãos a xícara de porcelana que mais gostava e a esperava, como em todas as manhãs, na mesa com suas torradas de pacote individual devidamente separadas no dia anterior. O leite não ficava na geladeira à noite, adorava sentir a temperatura ambiente diretamente em seu paladar, não costumava tomar café de manhã, não tinha nada que a fizesse sentir nem menos nem mais que suave ao começar cada dia de sua vida. Esse dia era um dia comum, mas sentido no mais profundo de sua alma, estava feliz, vestiu seu melhor vestido, sentiu o vento da manhã em seu corpo despido e fez do seu banho matinal uma ilusão ao ar livre. Sentou-se em seu sofá e logo mudou-se para a poltrona. Estava se sentindo muito leve e livre para se intoxicar na televisão neste dia, então sentou-se no chão, cruzou as pernas e meditou, com a coluna ereta girou levemente o pescoço e voltou. Imaginou uma fonte de luz inesgotável, não se incomodava com tanta luz diretamente sobre si, sentiu-se aquecer, ficou assim por dez minutos. Abriu os olhos e avistou o sol que entrava pela janela. Abriu a porta, abriu a janela e a convite do sol, saiu correndo. O portão de madeira coberto por um arco de flores azuis, estava aberto e o vento um pouco mais forte. O céu tomado pela imensidão do azul a levou longe, correu e rodopiou o quanto quis sobre a grama suave e de uma temperatura fresca que sentiu ao rolar e se deixar levar. Ao sentir seus pés tocarem o lago que avistava somente de certo ponto do campo notou que havia rolado por metros, e que havia corrido por uns dois quilômetros, não sentia cansaço algum, dor alguma. Não sentia que estava vivendo aquele dia em carne e osso. Sentia que estava conhecendo sua alma, e permitindo entregá-la à magia que o corpo sente ao se deixar ser livre. Desceu devagar sobre as águas do lago que mal cobriam seus joelhos e deitou-se. Sua face estava diretamente voltada ao sol. Seu coração quase não batia de tanta paz que sentia em seu interior. A água ainda estava começando a esquentar, mas aquele frio que sentia não a incomodava, a fazia sentir a resistencia de sua alma, não se concentrava na carne, mas sim no quanto sua alma conseguia controlar suas sensações e esquentar seu corpo atravéz da concentração ao sentir que conseguia chegar mais longe em sua meditação, que agora continuava com os olhos cerrados ao sol flutuando de verdade sobre as águas.
[...]
Ao chegar novamente no topo do morro que era coberto pela grama mais verde e mais vibrante que seu vestido, sentou-se e admirou o brilho do sol. A água de seu vestido escorria sobre a grama e conforme a luz do sol encontrava as gotas, pequenos brilhantes rolavam, muitos brilhantes rolavam e quando percebeu já estava aquecida, e seu vestido já esvoaçava no sentido oposto. Seu dia já se convertia numa linda tarde de verão e, o céu cobriu-se pelas cores diversas do pôr-do-sol, o salmão daquela textura fazia par ao lindo verde de seu vestido, que em degradê parecia a perfeita harmonia entre céu e terra, Deus e a Mulher.
[...]
Logo chegou a noite, fechou o portão e enrolou com um nó o cadeado no portão apenas com um cipó de seu lindo arco de flores azuis. A porta da sala ao entrar se fechou com a brisa leve que parecia trazer um mar atrás de si. Flutuava ao subir as escadas. Não sentia fome. Não sentia frio. Não sentia sono. Encontrou seu espelho caído no chão, mil pedaços. Cortou-se. Um grunhido se ouviu pelo corte. Pisava no vestido o tempo todo e agora estava manchado. Doía. O vermelho vibrante do sangue tomava conta do chão e a dor parecia aumentar. Sentou-se na cama e dobrou levemente a perna, viu que o caco estava dentro, ao pisar aprofundou ainda mais o ferimento e já não conseguia puxar com as mãos. Não tinha ninguém. Sua dor lhe trouxe de volta ao corpo e pôde sentir sua carne pulsando, o arrepio que tomava conta de si agora era dolorido e todas as partes de seu corpo se sentiam sangrando. Deu um passo com o outro pé. Segurou a maçaneta da porta e estava suando. Sua mão deslizou e seu rosto encontrou o chão. Não gemia de dor. Gritava. Não podia ser ouvida. Resolveu gritar mais alto. Sentia mais frio. Sentia mais dor...
[...]
Se entregou à dor e deixou de sentir o frio. Se despiu sobre o chão e apertou seu vestido em seu tornozelo. Não amenizava. O corte foi profundo.
[...]
Agora não se concentrava nem na dor, nem no frio.
[...]
Não encontrava mais o seu interior. Não podia mais se controlar como poucas horas atrás, pois o que sentia era mais forte que sua alma, era uma dor carnal, intensa, e um frio que já não só tomou conta de seu corpo mas de seu inconsciente. Desmaiou.


...

Acho que foi assim...

O dia clareou e já era hora de abrir os olhos. Não levantou-se.


Deise Alves.


"Faça HOJE o que realmente importa, pois hoje ainda pode não dar tempo." Deise Alves

2 comentários:

  1. Oi adorei seu blog! Tem muito conteúdo! Parabens Gatinha...

    Ah, passei também para te convidar a participar de um sorteio que tá rolando no meu blog MENIN@S!
    São 2 lindos prêmios, com bolsas, batons, cremes, protetor, etc... Participa lá, é facinho. Vai que vc ganha!!
    http://meninaaas.blogspot.com/2011/11/sorteio-de-natal.html

    Fique a vontade se quiser divulgar, beijos

    Monica

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  2. O processo de autoconhecimento se dá com êxito quando se expõe o corpo ao extremo naturalismo.
    A ausência de "armaduras" ou "proteções" faz com que a pessoa alcance os campos menos visitados da intimidade da alma.
    As máculas que temos na alma são resultados de nós ou de nosso próprios atos ou da permissão de outros nos macularem.

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